Por Glênio Cabral
O escritor tinha o hábito de mudar o sentido de histórias conhecidas, alterando finais e trocando os personagens de lugar e de conduta.
Um dia resolveu escrever um livro de contos. Começou compondo uma história intitulada "O porco mal e os três lobinhos". No conto, um suíno sinistro arrastava três filhotes de lobo para seu chiqueiro fétido e assustador.
No conto seguinte, uma criança procurava um feiticeiro para se transformar num brinquedo. O escritor lhe pôs o título de "Pinóquio e o caminho de volta".
No terceiro conto, uma formiga,
depois de ter sido expulsa de sua colônia, começou a se transformar num ser
humano. Enquanto mãos e pernas humanas eclodiam do corpo do inseto, todo o
formigueiro era destruído de dentro pra fora.
Recebeu o título de "O reverso de Kafka".
E assim, histórias foram compostas, personagens trocados de posição e autores violentados.
Até que ele chegou ao último conto do livro. E nele, o escritor escreveu sobre a vida de um escritor que mudava o sentido de histórias conhecidas, assim como ele estava fazendo.
Enquanto concluía a história, começou a sentir que suas ações já não eram mais ditadas por ele. A sensação era a de que alguém ou alguma coisa impulsionava a sua escrita, direcionando palavras, enredo e história.
Sem poder mais parar de escrever, finalizou o último conto com o escritor da sua história entregando-se aos abismos da loucura.
Quando tentou colocar o ponto final na história, o seu personagem, o escritor fictício, foi quem o fez. E ele percebeu que da mesma forma que invertera enredos e personagens nos contos anteriores, agora ele tornara-se a ficção, e sua criação, o então escritor fictício, não era mais um personagem, mas a vida real.
Papéis invertidos, portanto.
E como havia determinado ao seu personagem, agora ele enlouquecera.
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