Por Rogers Silva
Primeiro, único e definitivo ato
Cena
1 – Sobe o pano. À noite, na
sala da casa de Machado. Rio de Janeiro, 1908.
Machado (em frente ao espelho, se olhando) – Um velho solitário enxerga tudo, meu caro, até o que não existe.
O espelho – Um espelho, meu
caro, enxerga tudo: além do que não existe, o que nunca é visto por ninguém (responde, mas
Machado não o escuta.)
Machado – Melancolia nos
faz inventar, meu caríssimo espelho.
O espelho – Um século de
Falta, meu caríssimo Machado, mesmo sendo objeto, nos faz delirar, o que é mais grave.
Machado – Dor, saudade,
tristeza...
O espelho – Vazio. Falta de
sentimento. Nada. Sem emoção. Oco. Vago. Impotência.
Machado – Tudo o que eu
queria... (cala-se)
O espelho – Tudo, palavra bonita.
Machado – Tudo o que eu queria não consigo dizer nem para mim mesmo.
Deus.
O espelho – Medo... (Machado não o escuta). Quem me dera
tê-lo. Ou tenho e não sei?
(Machado passa as mãos sobre a barba
grisalha, nos cabelos crespos, se vira e vai sentar-se numa poltrona em frente
ao espelho. Senta-se. Fecha os olhos.)
Cena
2 – À noite, um dia depois, na sala da casa de
Machado. Ele caminha
inquieto, vagarosamente, os olhos baços, meio emborcado. Semblante triste.
Melancólico.
Machado – Por quê?...
? – ...
Machado – Se...
? – ...
Machado – Quem está aí?... (pergunta,
sentando-se na poltrona – sempre a mesma poltrona –, os olhos se direcionando
ao nada). Quem está aí?...
? – Sou eu.
(Machado de Assis não sabe o que falar – as palavras foram trocadas por um
silêncio emocionado.)
Machado – Mas...
? – Por favor, sem perguntas... Sou eu. Eu e
você, enfim, novamente juntos.
(Machado sorri, familiar com o timbre da
outra voz.)
Machado – Você não sabe...
? – Pode acreditar: sei, sei sim. Por isso
estou aqui. Pois sabia o quanto significaria para você.
Machado – Mas...
? – Por favor, não chore, agora não, já chorou
tudo o que poderia
ter chorado. Apenas sorria. Ou não está feliz?
Machado – Claro que estou. Estou. Muito.
? – Quais são as novidades?
Machado – Eu que pergunto: quais são as novidades? Aqui, como
sabe muito bem, sempre a mesmíssima situação. O mundo e suas vidas. Sabe muito
bem.
? – Sei. Contarei, mas não agora. Tenho que
ir.
Machado – Já? Para onde?
? – Acalme-se. Um dia saberá. Ainda
conversaremos muito. Contarei as boas e paraísas novas.
Machado – Sinto falta desse
seu sorriso (olha para trás. Nada vê. Murmura) Já se foi.
* Dia 19, aqui n'O BULE, confira a continuação da série Machado e Carolina.
Nenhum comentário:
Postar um comentário